quinta-feira, 4 de abril de 2024

CONVENCER O JUIZ

 Jornal "Correio da Manhã",

1 de setembro de 2003.



Quando o julgamento está prestes a chegar ao fim e já se ouviram todas as testemunhas, o juiz dá a palavra para alegações. Primeiro, pronuncia-se o Magistrado do Ministério Público, que elabora a acusação. Depois, fala o advogado do arguido. Cada um dispõe de uma hora, podendo o outro replicar durante vinte minutos.

É o momento crucial, em que cada um expõe ao juiz a sua posição sobre o que se passou no decorrer da audiência e procura explicar qual seria a solução que julga mais adequada.

Enquanto fui docente universitário e formador na Ordem dos Advogados, sempre chamei a atenção dos meus alunos para a necessidade de se exprimirem bem e exporem as suas ideias de forma convincente e clara.

Recordava-lhes que, muitas vezes, discutimos pontos de vista com outra pessoa, explicamo-nos o melhor que podemos, mas acabamos por ficar com a sensação amarga de não ter vencido.

Uma ou duas horas mais tarde, é que nos lembramos de determinados argumentos que poderíamos ter utilizado e que teriam derrotado a visão do nosso interlocutor. A sensação é terrível.

É, por isso, importante, conhecer algumas técnicas de argumentação, para que as possamos utilizar em qualquer circunstância.

Um primeiro método consiste em afirmar que a opinião do nosso adversário é demasiado radical. Toda a gente a aprecia o bom-senso e reconhece que no meio é que está a virtude. Se conseguirmos convencer que a posição contrária à nossa se situa fora desses limites, ganharemos uma batalha.

Deste modo, depois de o Ministério Público se pronunciar, o advogado de defesa poderá dizer:

- O Digno Procurador defende que o arguido deve cumprir dois anos de prisão efectiva. Parece-me que é uma posição demasiado extremista e fundamentalista. Em meu entender, o tribunal não deve ser tão radical. Poderá dar uma oportunidade ao arguido e suspender-lhe a pena. Se ele, depois, voltar a prevaricar, cumprirá a sua pena.

Uma outra alternativa é usar os números. A estatística é tida como ciência exacta e, contra factos, não há argumentos. De um modo geral, tendemos a pensar que a maioria tem razão. Se formos munidos de dados, avançamos muito. Imagine-se que o magistrado do Ministério Público, que é, por assim dizer, o advogado de acusação, afirma:

- Segundo uma sondagem recente, 72% dos portugueses pensam que é mais grave cometer um crime de dano do que um furto. É que quem furta, guarda o bem para si ou vende-o. Agora quem se limita a estragar um objecto de outra pessoa, fá-lo por pura maldade. Portanto, o arguido deve ser severamente punido.

Demonstrar que a posição do nosso adversário é insólita e invulgar é um método que resulta quase sempre. “É a primeira vez, em quinze anos de carreira, que ouço alguém defender que há legítima defesa quando a agressão já tinha terminado”: são palavras poderosas.

Há outro modo de convencer que a opinião contrária não tem valor. Trata-se de dizer que a conclusão a que o nosso interlocutor chegou parte de um princípio que não é verdadeiro. A primeira ideia está errada e, portanto, todos os outros raciocínios que se lhe seguem são falsos. Tudo cai pela base. Ou seja: partiu-se de um pressuposto errado e chegou-se a uma conclusão incorrecta.

Um advogado de defesa poderá alegar (embora a questão seja legalmente duvidosa):

- O Ministério Público sabe bem que só pratica o crime de furto quem subtrai um bem alheio. Ora o Digno Procurador parte do princípio de que o automóvel retirado pelo arguido é alheio em relação a ele. E depois conclui que foi cometido um crime. Mas parte de um pressuposto errado. A viatura foi comprada quando o arguido e a queixosa eram casados. Portanto, é um bem comum, que pertence a ambos. Não é, por isso, um bem alheio. O arguido deve, pois, ser absolvido.


CONVENCER O JUIZ

  Jornal "Correio da Manhã", 1 de setembro de 2003. Quando o julgamento está prestes a chegar ao fim e já se ouviram todas as test...