quinta-feira, 4 de abril de 2024

30 HOMICÍDIOS POR DIA

 Jornal "Correio da Manhã",

7 de abril de 2003.



Em Washington, o lóbi mais poderoso é o da National Rifle Association. Trata-se da associação de armas de fogo, que defende livre acesso a armamento por parte de todos, incluindo indivíduos que já demonstraram ter perturbações mentais.

O presidente da associação é Charlton Heston, que foi recentemente entrevistado por Michael Moore, um polémico escritor e realizador, há pouco tempo retratado no programa “60 Minutos”, transmitido em Portugal pela SIC Notícias.

Moore questionou o líder do movimento:

- Porque é que a América é o país em que mais se mata com armas de fogo?

Com efeito, nos EUA, são assassinadas 11127 pessoas por ano com recurso a tais armas, por contraposição a 68 vítimas no Reino Unido.

A surpreendente resposta de Heston foi:

- É que nós temos uma maior mistura de etnias.

Os opositores da liberdade no acesso a armas ficaram atónitos com a afirmação. Como é que uma pessoa pode pensar que o facto de várias etnias conviverem no mesmo espaço justifica uma matança entre civis?

Os defensores da associação dizem que o jornalista explorou a idade avançada do entrevistado.

Seja como for, uma semelhante concepção da sociedade é inaceitável.

Mas não deve ser exclusiva do Sr. Charlton Heston.

Há uns anos atrás, participei em Taiwan num encontro internacional de juristas. Um advogado norte-americano defendia que a razão de ser dos conflitos inter-raciais em Los Angeles residia no facto de grande parte dos estabelecimentos comerciais pertencerem a coreanos.

Para os ocidentais e afro-americanos, a forma correcta e delicada de um balconista dar o troco ao cliente é colocar-lhe as moedas na mão. O coreano julga que deve pôr as moedas espalhadas em cima do balcão. Deste modo, o cliente pode, através de um simples olhar, confirmar que a demasia está correctamente contada. Como o lojista procede assim, o cliente ocidental interpreta tal como uma falta de deferência, pois o comerciante obriga-o a transferir as moedas uma a uma para a sua mão. Daí uma latente conflitualidade entre coreanos e ocidentais naquela cidade.

Ainda que tal corresponda à verdade, ninguém de bom senso poderia pensar que a forma de resolver esse problema seria distribuir armas por todos.

Com efeito, dificilmente se encontrará país mais liberal nesta matéria do que os Estados Unidos. Visitei por diversas vezes as Filipinas, país onde qualquer pessoa pode ser portador de pistolas ou revólveres. Mesmo assim, na maior parte dos hotéis, os hóspedes ou visitantes devem deixar as mesmas à entrada, ao cuidado de um dos seguranças.

Em Portugal, o acesso a armas de defesa é muito restrito e não é fácil obter a respectiva licença de uso e porte. Quem não for taxista, dificilmente consegue a licença.

Quanto às armas de caça, torna-se necessário lançar uma pedagogia informativa no sentido de esclarecer que a respectiva licença apenas permite o uso de tais espingardas para o exercício da caça. O bom caçador sabe que a sua arma nunca se destina a servir para defesa pessoal.

Infelizmente, nem sempre assim sucede. Na minha vida profissional, vou-me deparando com casos de uso indevido de caçadeiras.

Uma jovem mãe solteira vivia sozinha numa habitação social de rés-do-chão, em zona isolada. Quase todas as noites, um indivíduo chamava por ela e batia-lhe nos estores, aterrorizando-a. Entretanto, a rapariga começou a namorar com um outro senhor, tendo ambos passado a viver juntos naquela casa. Nem assim, a jovem deixou de ser importunada.

Um dia, cansado de tudo aquilo, o namorado da rapariga pegou numa caçadeira e disparou sobre o homem. Felizmente, a distância fez com que os chumbos se dispersassem e apenas ferissem a vítima. O tiro de caçadeira, quando disparado de perto, é altamente mortífero, pois os grãos não chegam a espalhar-se, causando um grande orifício. Mas, para bem de todos, não foi esse o caso.


CONVENCER O JUIZ

  Jornal "Correio da Manhã", 1 de setembro de 2003. Quando o julgamento está prestes a chegar ao fim e já se ouviram todas as test...