Jornal "Correio da Manhã",
12 de maio de 2003.
Nestas páginas já me
referi a Michael Moore, o cineasta que ganhou um Óscar para o melhor
documentário pelo filme « Bowling for Columbine », actualmente em exibição em
Portugal.
A
película começa com imagens de um episódio real: Moore vai a uma agência
bancária do North Country Bank, nos Estados Unidos, e abre uma conta. Em vez de
lhe oferecerem um telemóvel ou uma torradeira, dão-lhe como prémio uma
espingarda. A instituição anuncia nos jornais esta promoção, com a qual procura
atrair novos clientes.
Todo
o filme se desenvolve em torno da facilidade com que um norte-americano pode
adquirir e legalmente possuir uma arma de fogo bem como sobre o número recorde
de homicídios ocorridos anualmente naquele país.
Grande
parte do documentário versa sobre a tragédia ocorrida na escola secundária de
Columbine. Em Abril de 1999, dois estudantes abriram fogo sobre colegas,
professores e funcionários, causando doze mortes e dezenas de feridos.
Michel
Moore junta-se a dois dos feridos, um dos quais ficou paraplégico, movendo-se
numa cadeira de rodas. O outro permanece com sequelas definitivas, não
suportando ficar de pé durante um longo período. Ambos conservam os projécteis
nos seus corpos.
As
balas tinham sido compradas numa loja K-Mart, pertencente a uma cadeia de
retalho com mais de dois mil estabelecimentos, onde se vendiam munições como
quem comercializa pilhas para rádios.
Michel
e os dois jovens deslocam-se à sede da K-Mart, pretendendo simbolicamente
devolver as balas com que foram atingidos. São recebidos por uma funcionária,
que vagamente promete estudar o assunto.
Desanimados,
os três dirigem-se à loja K-Mart mais próxima, onde adquirem sem qualquer
dificuldade todas as balas ali existentes para venda. Acompanhados de um
batalhão de repórteres e «cameramen», voltam á sede da organização para
entregarem o que acabaram de comprar.
Pouco
tempo depois, Lori McTRavish, porta-voz da empresa, anuncia publicamente que a
companhia deixará de comercializar munições para armas de defesa, no prazo de
noventa dias.
São
tocantes as cenas que relatam o triste episódio de uma mãe solteira que é
despejada de casa, por falta de pagamento de renda. Desesperada, busca abrigo
na casa de um irmão, onde se aloja com o filho se seis anos. Enquanto se
encontra sozinha, a criança apodera-se da pistola do tio e mete-a na sua
mochila. No dia seguinte, dispara sobre uma colega da com a mesma idade, que vem a falecer.
O
surpreendente é que a comunidade local dirige toda a sua raiva contra o menino
se seis anos, pretendendo que ele seja submetido a julgamento como um adulto.
Não lhes ocorre que o problema está na facilidade com que as crianças podem
aceder a armas.
Ao
assistir a esta parte do documentário, recordei-me de um caso dramático
ocorrido há uns anos nos arredores de Lisboa. Um rapaz de doze anos pegou na
caçadeira do pai e resolveu pregar um susto à sua tia, uma criança de onze anos
de idade. Apontou-lhe a arma e, inadvertidamente, accionou o gatilho. O
resultado foi a morte da rapariga.
«Bowling
for Columbine» é um filme excepcional que reflecte sobre a atitude dos
norte-americanos quanto ao uso e porte de armas de fogo.
Quem
se interesse por este tema não pode deixar de ver o documentário, que para além
do referido Óscar, foi galardoado com mais de 21 prémios em todo o mundo.