quinta-feira, 4 de abril de 2024

VIZINHOS DESAVINDOS

 Jornal "Correio da Manhã",

19 de maio de 2003



O meu amigo Armando é advogado, mas também escritor. Para passar momentos de lazer e dedicar-se à escrita, construiu uma magnífica casa num local paradisíaco e aparentemente muito sossegado. O diabo foi quando o dono do terreno vizinho resolveu instalar na sua propriedade uma carreira de tiro aos pratos. Era uma barulheira infernal durante todo o dia. Acabou-se a tranquilidade do Armando.

Conhecedor das leis, ele lembrou-se que lhe assistiam direitos de personalidade, como seja o direito ao sossego. Pôs um processo em tribunal contra o vizinho, pedindo a extinção do campo de tiro.

A acção judicial deu entrada, mas os seus trâmites não foram rápidos.

Certa vez, quando o Armando se encontrava no estrangeiro, uns larápios penetraram no interior da sua residência e preparavam-se para levar objectos de valor. A sorte foi que o dono da carreira de tiro deu por tudo. Capturou os ladrões e entregou-os às autoridades.

O meu amigo ficou com uma dívida de gratidão para com o seu vizinho e réu no processo judicial.

Claro que o Armando desistiu de prosseguir com a acção e pôs termo à lide.

Acabou por vender a casa, deixando os praticantes de tiro em paz.

Nada me move contra os caçadores e os amantes de tiro desportivo.

Aliás, acabo de inscrever a minha filha mais velha, de seis anos, no pentatlo moderno, que, como se sabe, inclui corrida, natação, hipismo, esgrima e... tiro.

O que é fundamental é saber distinguir entre armas de defesa e aquelas que se destinam à caça ou ao tiro desportivo. Estas nunca podem ser encaradas como equipamento de defesa. No Canadá, existe uma forte tradição de práticas venatórias, mas a taxa de homicídios é baixíssima. Está inculcada a noção civilizada de que as armas de caça não servem para defesa.

Enfatizo também a necessidade de alertar as crianças e adolescentes para o perigo que pode representar uma arma de fogo.

Quem viu o programa “Hora Extra” de Conceição Lino, na SIC, sobre o tema, apercebeu-se do fascínio que o armamento pode representar nos mais jovens.

Foi exibida uma reportagem sobre um teste efectuado a adolescentes nos Estados Unidos. Primeiro, foi-lhes ministrada uma acção de formação numa esquadra policial, durante a qual se alertava para o que se devia fazer caso se encontrasse uma arma de fogo. Basicamente, importava convocar a autoridade policial.

Passadas umas semanas, cinquenta desses jovens são submetidos a uma experiência. Um a um, são colocados isoladamente num armazém de tintas, no âmbito de um programa de ocupação de tempos livres. O que eles não sabiam é que estavam a ser filmados. O encarregado dá instruções sobre a forma de arrumar os baldes e deixa o adolescente sozinho. Ao transferir as latas, o jovem repara num saco de papel com uma pistola lá dentro. Quase todos os rapazes tomam a mesma atitude: fazem sua a arma e nada dizem ao encarregado quando ele regressa.

Quem se interesse sobre a relação perigosa entre armas de fogo e crianças, não pode deixar de ver o filme brasileiro “Cidade de Deus”, actualmente em exibição em Portugal. As cenas são passadas numa das mais perigosas favelas do Rio de Janeiro e baseiam-se em factos reais. A realização é de Fernando Meirelles e a película conta com a magistral interpretação de dezenas de jovens actores.


CONVENCER O JUIZ

  Jornal "Correio da Manhã", 1 de setembro de 2003. Quando o julgamento está prestes a chegar ao fim e já se ouviram todas as test...