Jornal "Correio da Manhã",
28 de abril de 2003.
Durante a guerra de
2003 no Iraque, que levou ao derrube de Saddam Hussein, encontrava-me na
Dinamarca. Estava a frequentar um curso de preparação para regiões em crise. Diferentes
atitudes perante a vida não me surpreenderam, graças à prévia introdução que me
foi feita pela leitura do respectivo guia da Lonely Planet, colecção a que
recorro sempre que me desloco ao estrangeiro.
Como
rotário cumpridor, visitei o Rotary Club local, o Copenhagen Morning, que se
reúne às quartas-feiras, ao pequeno-almoço. No dia em que participei, o
convidado de honra e palestrante era nem mais nem menos do que o Rei da
Pornografia da Dinamarca, produtor de filmes da especialidade. Não era de
estranhar. Afinal encontrava-me no país da Europa que primeiro liberalizou a
pornografia.
Uma
das formadoras do curso que frequentei na Escola de Administração Pública de
Copenhaga era casada com outra senhora, o que se compreende perfeitamente já
que são legais os matrimónios entre pessoas do mesmo sexo.
O
mais original da Dinamarca é o Estado Livre da Christiania, em plena Copenhaga.
Em
1971, um numeroso grupo de pessoas, incluindo hippies, freaks, adeptos da
macrobiótica, artistas e outros que buscavam modos de vida alternativos
ocuparam umas instalações militares desactivadas e formaram uma comunidade com
governo próprio.
Ao
entrar em Christiania, ainda pude captar uma fotografia junto ao pórtico que dá
as boas vindas aos visitantes. Mas passando aquele ponto, já não tive hipótese
de utilizar a máquina fotográfica. Numerosos sinais recordam que é proibido
captar imagens.
Compreende-se
porquê.
É
que no recinto dos quiosques, encontram-se expostas para venda barras de haxixe
(a que em Portugal chamam sabonetes) e marijuana bem como todo o material
necessário ao consumo daquelas drogas. As etiquetas identificam a origem do produto.
Os consumidores dispõem de bares onde podem apreciar os estupefacientes.
A
transacção e o consumo de drogas duras está, porém banida.
O
tráfico de estupefacientes não é lícito na Dinamarca. Mas as autoridades não
têm conseguido deter a sua venda em Christiania. Em 1992, a Polícia lançou uma
operação envolvendo 70 homens tendo em vista acabar com tal comércio. O
braço-de-ferro com os habitantes durou oito meses e terminou com a retirada dos
agentes, após a intervenção dos Ministros da Defesa e da Justiça.
Em
Março deste ano, os vendedores de droga locais fizeram uma greve e durante uma
semana não traficaram estupefacientes em protesto pelo projecto oficial de
terminar com Christiania. Simultaneamente, os residentes recolheram assinaturas
de cidadãos favoráveis à manutenção daquela comunidade.
Para
além das casas dos habitantes, o Estado Livre conta com um infantário, lojas,
oficinas e fábricas bem como um sistema de recolha de lixo próprio.
Frequentemente,
são organizados concertos de música e exposições abertos à população.
As
decisões que afectam a comunidade, como admitir novos membros ou autorizar a
instalação de quiosques são tomadas por unanimidade.
Embora
não existam leis, há quatro proibições básicas: utilização de drogas duras,
posse de armas, violência e comercialização de espaços habitacionais.