quinta-feira, 4 de abril de 2024

DINHEIRO DEITADO À RUA

Jornal “Correio da Manhã”,

30 de junho de 2003.


Opinião

Helder João Fráguas*

Actualmente, é muito mais fácil carregar o saldo do telemóvel, numa caixa multibanco.
Já não são necessários os números relativos à entidade e à referência.
Tudo o que há a fazer é escolher o operador e inscrever o número do telefone.
A filha de um amigo meu pediu ao pai que lhe carregasse o saldo do seu telemóvel. O problema é que passaram-se horas e não havia meio de o saldo ficar actualizado.
Ele foi então verificar o talão da caixa. Verificou que se tinha enganado ao digitar um algarismo. Tinha feito um carregamento para outro telemóvel, cujo dono, embora surpreendido, deve ter ficado todo feliz.
O meu amigo ligou para a assistência ao cliente. Disseram-lhe que nada havia a fazer. O lapso era imputável a ele e, portanto, era impossível proceder a qualquer rectificação.
Ele contou-me o episódio acidentalmente e com ar resignado. Eu expliquei-lhe que alguma coisa estava mal naquele procedimento. Ao adoptarem este novo sistema de carregamento, os operadores já deveriam ter previsto que a probabilidade de existir um erro aumenta com a simplificação do procedimento.
Havia que dar formação adequada aos assistentes, ensinando-lhes o que fazer nestas situações.
Admito que, no caso em apreço, tal não tenha sido realizado. A assistente, que atendeu o meu amigo, terá decidido ela própria, por auto-recriação, que nada haveria a fazer nesse caso. Ao invés, deveria ter tomado nota da reclamação e expô-la aos seus superiores.
Não quero acreditar que tenham existido algumas instruções, no sentido de os assistentes informarem os clientes que, em caso de lapso, não há solução. É que, do ponto de vista legal, as coisas não se passam assim.
O que sucede é um erro na declaração de vontade por parte de quem procede ao carregamento.
Para quem é beneficiado com o carregamento que não lhe era destinado, existe um enriquecimento sem causa. São tudo situações previstas no Código Civil, que consagra a justa solução para o caso: a devolução do dinheiro a quem, por lapso, carregou o telemóvel de outrem.
Espero que seja dada a devida atenção a casos futuros, salvaguardando os direitos dos consumidores, que, felizmente, são cada vez melhor defendidos.
Figuras como Beja Santos, Mário Frota, João Nabais ou Joaquim Carrapiço têm dado um valioso contributo para que os clientes sejam respeitados no que concerne às transacções em que diariamente estão envolvidos. A Associação Portuguesa de Direito do Consumo, a DECO, a Associação dos Consumidores de Portugal e o Instituto do Consumidor são as principais entidades a quem podemos recorrer no caso de nos sentirmos prejudicados.
Também a comunicação social tem desenvolvido um importante trabalho, ao divulgar casos reais de empresas que não adoptam um comportamento correcto, esclarecendo se o litígio foi ou não resolvido. É o que faz, por exemplo, a revista "Mulher", distribuída às sextas-feiras com o Correio da Manhã, na rubrica "Os Seus Direitos".
Do mesmo modo, na Internet existe um ‘site’ utilíssimo, que se localiza em www.queixas.co.pt. Aí são registadas as reclamações apresentadas pelos consumidores e as eventuais respostas das empresas postas em causa. Este instrumento é precioso para quem pretende apresentar uma queixa, mas também para aqueles que querem avaliar a atitude dos agentes económicos que actuam no mercado. Antes de fazer uma compra, vale a pena fazer uma consulta e ver o que se diz a propósito da firma com quem vamos negociar.
Muitos municípios contam com um relevante organismo na Câmara Municipal, denominado Centro de Atendimento e Informação ao Público (CAIP). Para resolução de pequenos litígios com entidades situadas na nossa área de residência, este meio é ideal.

*Juiz 

( h j f r a g u a s @ h o t m a i l . c o m )

 

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