quinta-feira, 4 de abril de 2024

PRESO POR ENGANO

 Jornal "Correio da Manhã", 

17 de novembro de 2003.



Referi-me já ao caso de uma família lisboeta, que viu o lar invadido às sete da manhã, por uma brigada policial, que ia fazer uma busca à procura de estupefacientes. Enganaram-se foi no andar do prédio e colocaram de pantanas a residência de uns inocentes, que, entretanto, foram conduzidos à esquadra. À hora do almoço, o equívoco estava desfeito e o problema resolveu-se com uma indemnização.

Em Outubro de 2000, no Tennessee, nos Estados Unidos, ocorreu uma situação semelhante, mas de consequências mais graves.

Um juiz ordenara uma busca a uma casa na Joseph Street, a ser levada a cabo pela Unidade de Narcóticos. O número da porta era o 1120.

Por qualquer estranha razão, os agentes foram dar com o nº 70. Bateram à porta. A dona da casa, Lorine Adams, não a abriu porque os dois homens que ela avistava pelo óculo não se identificavam. Não perdeu pela demora. A porta foi arrombada e a senhora foi imediatamente algemada.

O marido, John Adams, sofrera uma trombose algum tempo antes. Estava sentado no sofá a ver televisão. Sete polícias irromperam pela casa dentro e dois deles dispararam várias vezes contra o homem. Este chegou já sem vida ao hospital.

Morreu um inocente. Só por causa de uma confusão com números de portas bem diferentes entre si.

Preocupante foi também o que se passou com Kerry Sanders, um jovem de 27 anos, que sofria de esquizofrenia.

Em Outubro de 1993, foi encontrado a dormir num banco de jardim, no Estado da Califórnia. A polícia conduziu-o para a esquadra, a fim de ser identificado.

Por azar, Kerry nascera exactamente na mesma data que o nova-iorquino Robert Sanders. Este Robert era um fugitivo, condenado a prisão perpétua por tentativa de homicídio.

Foi rápida a conclusão dos agentes. O cartão da segurança social era falsificado e ele estava a mentir quanto ao nome próprio.

Estenderam-lhe um papel para ser assinado. Aí, o detido declarava que, na realidade, se chamava Robert Sanders.

Este homem, completamente inocente, passou dois anos na cadeia, até que o verdadeiro criminoso foi capturado, por mero acaso, em Cleveland.

Durante todo este tempo, o defensor oficioso não se lembrou de pedir uma comparação de impressões digitais ou de ADN. Nem sequer foram confrontadas fotografias.

Também a ninguém ocorreu outro pormenor. Em Julho de 1993, o verdadeiro Robert Sanders estava preso em Nova Iorque, em cumprimento de pena. Nessa altura, Kerry fora detido por vaguear nas ruas de Los Angeles. Logo, existiam realmente dois Sanders: um chamado Robert e o outro Kerry.

Estes dois episódios, bem conhecidos de quem se movimenta nos meios judiciais, são recordados por Michael Moore no seu magnífico livro “Brancos Estúpidos”. Mais popularizado como cineasta, ele é também um excelente escritor, a quem já me referi nestas páginas. Neste livro, relata, de forma viva, impressionantes acontecimentos ocorridos nos Estados Unidos da América. O tom é acentuadamente crítico. Trata-se de uma obra de leitura altamente recomendável.


CONVENCER O JUIZ

  Jornal "Correio da Manhã", 1 de setembro de 2003. Quando o julgamento está prestes a chegar ao fim e já se ouviram todas as test...