Jornal
“Correio da Manhã”,
8
de dezembro de 2003.
Embora
faça muito esforço para não cometer injustiças no meu quotidiano, sei que vou
praticar uma neste preciso momento.
Referirei
o nome de alguns dos professores que mais me marcaram na Faculdade de Direito
da Universidade Clássica de Lisboa. Vão-me escapar várias personalidades, que
foram fundamentais na minha formação enquanto jurista. Mas não se podem resumir
cinco anos de estudos numa crónica de jornal. Perdoem-se, pois, algumas
omissões.
Recordo
a capacidade intelectual e pedagógica de Jorge Miranda, Marcelo Rebelo de
Sousa, Marques Guedes, Menezes Cordeiro, Bracinha Vieira, Lebre de Freitas,
Romano Martinez, Fernanda Palma, Curado Neves, Rui Pereira e Raul Soares da
Veiga.
Não
estranhe o leitor a falta de alusão a Freitas do Amaral, André Gonçalves
Pereira, Garcia Pereira ou José António Barreiros, de quem não fui discípulo.
Um
Mestre que se impõe mencionar é Saldanha Sanches, que me ensinou Finanças
Públicas e Direito Financeiro. Foi um enorme privilégio ter sido seu aluno.
Mais
conhecido como fiscalista, é também um comentador de gabarito sobre os temas
jurídicos em geral.
Há
pouco tempo, referiu-se àquilo a que chamou o “bunker judicial”.
Se
bem entendi as suas palavras, defendeu que se deve abandonar o isolamento
judicial, o corte com o exterior assim como o divórcio entre a carreira dos
juízes e as demais actividades jurídicas.
De
acordo com a Constituição, os tribunais aplicam a lei em nome do povo. Tal leva
até muitos juízes a iniciar as suas sentenças, com a frase: “Em nome do Povo
Português, decido”.
Afirmou
Saldanha Sanches: “Pobres do povo e dos tribunais se o povo deixa de se
reconhecer nas suas decisões judiciais”.
Concordo,
de uma forma geral, com o que ele preconiza.
Mas
talvez não seja tão pessimista quanto ao sistema actual.
A
escolha dos candidatos a juízes é realizada de modo muito aberto, através de um
júri integrado por profissionais de diversas áreas.
Faz-se
até uma entrevista psicológica, de carácter eliminatório. Certa vez, uma
psicóloga, que efectuou várias entrevistas, disse algo de curioso. Deve ser
difícil ser juiz quando, por falta de maturidade, ainda nem sequer se está
habituado a decidir entre beber água ou vinho.
É
verdade que grande parte da formação é levada a cabo por magistrados. Mas são
realizadas acções com profissionais dos mais diferentes campos do saber.
Médicos, psicólogos, polícias, sociólogos, quadros superiores da administração
pública, jornalistas, professores e contabilistas trocam impressões com os
futuros juízes.
Reconheço
que há aperfeiçoamentos a levar a cabo, nomeadamente no domínio da formação de
formadores. Para se ensinar, tem que se saber como se faz a transmissão de
conhecimentos e a troca de experiências. Não é suficiente a boa vontade.
Antes
de ser designado docente da Ordem dos Advogados, frequentei um curso de
formação de formadores da área jurídica, leccionado por dois professores
treinados nos Estados Unidos da América. Nunca me sentiria capaz de dar aulas a
advogados estagiários se não tivesse recebido prévia instrução.
Este
é um campo que importa desenvolver.
Por
outro lado, diz Saldanha Sanches que algo está mal quando os juízes não
conseguem elaborar decisões com suficiente força convincente para poderem gozar
de um mínimo de acatamento.
Desconheço se isso sucede muitas ou poucas vezes. Sei que é impossível agradar a gregos e a troianos e que as sentenças são sempre susceptíveis de crítica. Mas é dever do juiz explicar por escrito os motivos pelos quais tomou determinada decisão. Tem sido posta a maior atenção nesse aspecto.
*Juiz
( h j f r a g u a s
@ h o t m a i l . c o m )