Jornal “Correio da Manhã”,
8 de setembro de 2003.
Embora faça muito esforço para não cometer
injustiças no meu quotidiano, sei que vou praticar uma neste preciso momento.
Referirei o nome de alguns dos professores
que mais me marcaram na Faculdade de Direito da Universidade Clássica de
Lisboa. Vão-me escapar várias personalidades, que foram fundamentais na minha
formação enquanto jurista. Mas não se podem resumir cinco anos de estudos numa
crónica de jornal. Perdoem-se, pois, algumas omissões.
Recordo a capacidade intelectual e
pedagógica de Jorge Miranda, Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Guedes, Menezes
Cordeiro, Bracinha Vieira, Lebre de Freitas, Romano Martinez, Fernanda Palma,
Curado Neves, Rui Pereira e Raúl Soares da Veiga.
Não estranhe o leitor a falta de alusão a
Freitas do Amaral, André Gonçalves Pereira, Garcia Pereira ou José António
Barreiros, de quem não fui discípulo.
Um Mestre que se impõe mencionar é Saldanha
Sanches, que me ensinou Finanças Públicas e Direito Financeiro. Foi um enorme
privilégio ter sido seu aluno.
Mais conhecido como fiscalista, é também um
comentador de gabarito sobre os temas jurídicos em geral.
Há pouco tempo, referiu-se àquilo a que
chamou o “bunker judicial”.
Se bem entendi as suas palavras, defendeu
que se deve abandonar o isolamento judicial, o corte com o exterior assim como
o divórcio entre a carreira dos juízes e as demais actividades jurídicas.
De acordo com a Constituição, os tribunais
aplicam a lei em nome do povo. Tal leva até muitos juízes a iniciar as suas
sentenças, com a frase: “Em nome do Povo Português, decido”.
Afirmou Saldanha Sanches: “Pobres do povo e
dos tribunais se o povo deixa de se reconhecer nas suas decisões judiciais”.
Concordo, de uma forma geral, com o que ele
preconiza.
Mas talvez não seja tão pessimista quanto
ao sistema actual.
A escolha dos candidatos a juízes é
realizada de modo muito aberto, através de um júri integrado por profissionais
de diversas áreas.
Faz-se até uma entrevista psicológica, de
carácter eliminatório. Certa vez, uma psicóloga, que efectuou várias
entrevistas, disse algo de curioso. Deve ser difícil ser juiz quando, por falta
de maturidade, ainda nem sequer se está habituado a decidir entre beber água ou
vinho.
É verdade que grande parte da formação é
levada a cabo por magistrados. Mas são realizadas acções com profissionais dos
mais diferentes campos do saber. Médicos, psicólogos, polícias, sociólogos,
quadros superiores da administração pública, jornalistas, professores e
contabilistas trocam impressões com os futuros juízes.
Reconheço que há aperfeiçoamentos a levar a
cabo, nomeadamente no domínio da formação de formadores. Para se ensinar, tem
que se saber como se faz a transmissão de conhecimentos e a troca de
experiências. Não é suficiente a boa vontade.
Antes de ser designado docente da Ordem dos
Advogados, frequentei um curso de formação de formadores da área jurídica,
leccionado por dois professores treinados nos Estados Unidos da América. Nunca
me sentiria capaz de dar aulas a advogados estagiários se não tivesse recebido
prévia instrução.
Este é um campo que importa desenvolver.
Por outro lado, diz Saldanha Sanches que
algo está mal quando os juízes não conseguem elaborar decisões com suficiente
força convincente para poderem gozar de um mínimo de acatamento.
Desconheço se isso sucede muitas ou poucas
vezes. Sei que é impossível agradar a gregos e a troianos e que as sentenças
são sempre susceptíveis de crítica. Mas é dever do juiz explicar por escrito os
motivos pelos quais tomou determinada decisão. Tem sido posta a maior atenção
nesse aspecto.
*Juiz
( h j f r a g u a s
@ h o t m a i l . c o m )