quinta-feira, 4 de abril de 2024

UM PAÍS SEM SUPREMO TRIBUNAL

 Jornal "Correio da Manhã, 

7 de julho de 2003.



Que me perdoem os leitores menos interessados em questões político-constitucionais.

Todavia, gostaria de abordar o tema da separação de poderes.

Desde a revolução francesa de 1789, tem-se difundido, por todas as democracias, a ideia de que deve haver uma divisão entre os poderes legislativo, executivo e judicial.

Os deputados aprovam, no Parlamento, as leis. O Governo gere a Administração Pública. Os juízes aplicam a lei.

Todos são independentes uns dos outros.

No que toca aos juízes, nem o Governo nem a Assembleia da República podem interferir no exercício das suas funções. Em contrapartida, aos magistrados judiciais está vedada a actividade político-partidária, a não ser, claro, que peçam a suspensão do serviço.

O papel dos tribunais é controlado pelo Conselho Superior da Magistratura, um órgão independente do Governo.

O recrutamento de juízes é realizado através de prestação de provas públicas e aprovação num curso de formação. Os juízes não são designados pelo Governo ou pela Assembleia da República. São nomeados, com carácter permanente, pelo mencionado Conselho Superior, o que dá garantias de independência. Não devem favores a ninguém nem podem ser afastados do seu lugar por terem tomado determinada decisão. São pouco susceptíveis de serem pressionados.

Está-se, portanto, muito distante da imagem paradigmática do Rei Salomão, que fazia as leis, governava o país e ainda desempenhava o papel de juiz.

O monarca ficou famoso pela sua decisão quanto ao bebé que era disputado por duas alegadas mães. Salomão resolveu que a criança seria cortada ao meio, ficando cada mulher com uma metade. Uma delas aceitou. A outra disse preferir que poupassem a vida do bebé e que este fosse dado por inteiro à sua adversária. Tornava-se claro quem era a verdadeira progenitora e o Rei mandou entregar-lhe a criança.

Actualmente, semelhante mistura de papéis é dificilmente imaginável.

Contudo, numa das mais antigas democracias do mundo, as coisas passam-se de forma algo duvidosa.

Por isso, Tony Blair, o primeiro-ministro inglês, quer implementar uma reforma do sistema judicial do seu país.

No Reino Unido, não existe um Supremo Tribunal, para o qual os cidadãos insatisfeitos possam recorrer. Os recursos são dirigidos para a Câmara dos Lordes, que detém o poder legislativo, em conjunto com a Câmara dos Comuns.

O objectivo é criar um Supremo Tribunal e abolir o cargo de “Lord Chancellor”. Este é juiz, nomeia juízes, preside à Câmara dos Lordes e participa no Conselho de Ministros.

É claro que há algumas resistências relativamente a fazer cessar esta figura, que conta com 1400 anos de tradição.

Mas são muitos os Lordes de Lei que apoiam as propostas de Blair. Eles pensam que não é compatível discutir propostas de lei e, ao mesmo tempo, fazer julgamentos.

Mesmo outros aspectos considerados mais retrógrados do sistema judicial estão agora a ser postos em causa.

Muitos defendem que juízes e advogados devem deixar de usar cabeleira no decorrer dos julgamentos. A origem da utilização deste adereço prende-se com a vontade de que os réus não reconhecessem os magistrados quando estes andassem pela rua. A manutenção do seu uso não parece fazer muito sentido, hoje em dia.


CONVENCER O JUIZ

  Jornal "Correio da Manhã", 1 de setembro de 2003. Quando o julgamento está prestes a chegar ao fim e já se ouviram todas as test...