Jornal "Correio da Manhã,
7 de julho de 2003.
Que
me perdoem os leitores menos interessados em questões político-constitucionais.
Todavia,
gostaria de abordar o tema da separação de poderes.
Desde
a revolução francesa de 1789, tem-se difundido, por todas as democracias, a
ideia de que deve haver uma divisão entre os poderes legislativo, executivo e
judicial.
Os deputados aprovam,
no Parlamento, as leis. O Governo gere a Administração Pública. Os juízes
aplicam a lei.
Todos
são independentes uns dos outros.
No
que toca aos juízes, nem o Governo nem a Assembleia da República podem
interferir no exercício das suas funções. Em contrapartida, aos magistrados
judiciais está vedada a actividade político-partidária, a não ser, claro, que
peçam a suspensão do serviço.
O
papel dos tribunais é controlado pelo Conselho Superior da Magistratura, um
órgão independente do Governo.
O
recrutamento de juízes é realizado através de prestação de provas públicas e
aprovação num curso de formação. Os juízes não são designados pelo Governo ou
pela Assembleia da República. São nomeados, com carácter permanente, pelo
mencionado Conselho Superior, o que dá garantias de independência. Não devem
favores a ninguém nem podem ser afastados do seu lugar por terem tomado
determinada decisão. São pouco susceptíveis de serem pressionados.
Está-se,
portanto, muito distante da imagem paradigmática do Rei Salomão, que fazia as
leis, governava o país e ainda desempenhava o papel de juiz.
O
monarca ficou famoso pela sua decisão quanto ao bebé que era disputado por duas
alegadas mães. Salomão resolveu que a criança seria cortada ao meio, ficando
cada mulher com uma metade. Uma delas aceitou. A outra disse preferir que
poupassem a vida do bebé e que este fosse dado por inteiro à sua adversária.
Tornava-se claro quem era a verdadeira progenitora e o Rei mandou entregar-lhe
a criança.
Actualmente,
semelhante mistura de papéis é dificilmente imaginável.
Contudo,
numa das mais antigas democracias do mundo, as coisas passam-se de forma algo
duvidosa.
Por
isso, Tony Blair, o primeiro-ministro inglês, quer implementar uma reforma do
sistema judicial do seu país.
No
Reino Unido, não existe um Supremo Tribunal, para o qual os cidadãos
insatisfeitos possam recorrer. Os recursos são dirigidos para a Câmara dos
Lordes, que detém o poder legislativo, em conjunto com a Câmara dos Comuns.
O
objectivo é criar um Supremo Tribunal e abolir o cargo de “Lord Chancellor”.
Este é juiz, nomeia juízes, preside à Câmara dos Lordes e participa no Conselho
de Ministros.
É
claro que há algumas resistências relativamente a fazer cessar esta figura, que
conta com 1400 anos de tradição.
Mas
são muitos os Lordes de Lei que apoiam as propostas de Blair. Eles pensam que
não é compatível discutir propostas de lei e, ao mesmo tempo, fazer
julgamentos.
Mesmo
outros aspectos considerados mais retrógrados do sistema judicial estão agora a
ser postos em causa.
Muitos
defendem que juízes e advogados devem deixar de usar cabeleira no decorrer dos
julgamentos. A origem da utilização deste adereço prende-se com a vontade de
que os réus não reconhecessem os magistrados quando estes andassem pela rua. A
manutenção do seu uso não parece fazer muito sentido, hoje em dia.