Jornal "Correio da Manhã",
21 de julho de 2003
Parece
que a vida não está fácil para quem negoceia em imóveis. Construtores civis,
mediadores e simples particulares que pretendem vender a sua casinha vêm-se
aflitos para arranjar comprador a um preço razoável.
Quando
surge um potencial interessado, não se pode desperdiçar a oportunidade.
Há
quem tire partido desta ânsia de vender mais um andar, para dar uma golpada.
Um
grupo de pessoas do norte do país anda a percorrer o país, exercendo uma
actividade muito lucrativa. O patriarca controla tudo.
Chegam
a uma localidade e fazem uma pesquisa em busca de prédios novos, com andares à
venda.
Quando
encontram um edifício com um bom número de apartamentos ainda por
transaccionar, um dos elementos do grupo dirige-se ao construtor. Mas,
curiosamente, esse testa-de-ferro não é da família dos restantes.
Pede
para ver o imóvel e diz ter um primo distante, que é emigrante. Esse seu
parente tem uns dinheiritos, pelo que estará interessado em adquirir uma das
fracções autónomas de imediato, oferecendo um bom sinal de 50000 euros, ou
sejam, dez mil contos. A condição é que a chave seja imediatamente entregue,
ainda antes da escritura, sendo certo que o remanescente será pago a pronto no
prazo de 180 dias.
É
logo ali assinado o contrato-promessa. O interessado age como procurador do seu
familiar, entrega o sinal e recebe a chave.
No
dia seguinte, o andar é invadido por uma família numerosa, de três gerações.
Dia e noite fazem uma barulheira infernal, gritando e ouvindo música num volume
altíssimo. As crianças são ensinadas a irem urinar à varanda, em direcção à
rua. Conspurcam os elevadores e espalham sacos de lixo pelos patamares. A
entrada do prédio fica num estado lastimável.
Mas
quando se empenham mais é nos momentos em que o vendedor vai mostrar os andares
disponíveis a eventuais interessados. Dão ao máximo nas vistas, fazem ruídos
infernais e esforçam-se por demonstrar que serão vizinhos complicadíssimos.
Quem é que desejaria comprar um andar naquele prédio, por mais baixo que fosse
o preço?
O
construtor, que anda a pagar juros ao banco e está absolutamente necessitado de
obter algum dinheiro, começa a aperceber-se que não vai conseguir vender os
seus andares.
A
única solução é correr com aquela família dali.
Eles
não se importam de sair, mas exigem o estrito cumprimento da lei. Quem falha
com o contrato-promessa, é obrigado a devolver o sinal em dobro. O dono do
prédio está disposto a tudo e entrega-lhes os vinte mil contos.
Assim
se embolsam dez mil contos. Resta partir para outra cidade, onde o esquema
ainda não seja conhecido e facturar mais algum.
Não
é fácil deitar a mão a estes engenhosos artistas.