quinta-feira, 4 de abril de 2024

UM GOLPE DE MESTRE

 Jornal "Correio da Manhã", 

21 de julho de 2003



Parece que a vida não está fácil para quem negoceia em imóveis. Construtores civis, mediadores e simples particulares que pretendem vender a sua casinha vêm-se aflitos para arranjar comprador a um preço razoável.

Quando surge um potencial interessado, não se pode desperdiçar a oportunidade.

Há quem tire partido desta ânsia de vender mais um andar, para dar uma golpada.

Um grupo de pessoas do norte do país anda a percorrer o país, exercendo uma actividade muito lucrativa. O patriarca controla tudo.

Chegam a uma localidade e fazem uma pesquisa em busca de prédios novos, com andares à venda.

Quando encontram um edifício com um bom número de apartamentos ainda por transaccionar, um dos elementos do grupo dirige-se ao construtor. Mas, curiosamente, esse testa-de-ferro não é da família dos restantes.

Pede para ver o imóvel e diz ter um primo distante, que é emigrante. Esse seu parente tem uns dinheiritos, pelo que estará interessado em adquirir uma das fracções autónomas de imediato, oferecendo um bom sinal de 50000 euros, ou sejam, dez mil contos. A condição é que a chave seja imediatamente entregue, ainda antes da escritura, sendo certo que o remanescente será pago a pronto no prazo de 180 dias.

É logo ali assinado o contrato-promessa. O interessado age como procurador do seu familiar, entrega o sinal e recebe a chave.

No dia seguinte, o andar é invadido por uma família numerosa, de três gerações. Dia e noite fazem uma barulheira infernal, gritando e ouvindo música num volume altíssimo. As crianças são ensinadas a irem urinar à varanda, em direcção à rua. Conspurcam os elevadores e espalham sacos de lixo pelos patamares. A entrada do prédio fica num estado lastimável.

Mas quando se empenham mais é nos momentos em que o vendedor vai mostrar os andares disponíveis a eventuais interessados. Dão ao máximo nas vistas, fazem ruídos infernais e esforçam-se por demonstrar que serão vizinhos complicadíssimos. Quem é que desejaria comprar um andar naquele prédio, por mais baixo que fosse o preço?

O construtor, que anda a pagar juros ao banco e está absolutamente necessitado de obter algum dinheiro, começa a aperceber-se que não vai conseguir vender os seus andares.

A única solução é correr com aquela família dali.

Eles não se importam de sair, mas exigem o estrito cumprimento da lei. Quem falha com o contrato-promessa, é obrigado a devolver o sinal em dobro. O dono do prédio está disposto a tudo e entrega-lhes os vinte mil contos.

Assim se embolsam dez mil contos. Resta partir para outra cidade, onde o esquema ainda não seja conhecido e facturar mais algum.

Não é fácil deitar a mão a estes engenhosos artistas.


CONVENCER O JUIZ

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