Jornal "Correio da Manhã",
1 de setembro de 2003.
Quando
o julgamento está prestes a chegar ao fim e já se ouviram todas as testemunhas,
o juiz dá a palavra para alegações. Primeiro, pronuncia-se o Magistrado do
Ministério Público, que elabora a acusação. Depois, fala o advogado do arguido.
Cada um dispõe de uma hora, podendo o outro replicar durante vinte minutos.
É
o momento crucial, em que cada um expõe ao juiz a sua posição sobre o que se
passou no decorrer da audiência e procura explicar qual seria a solução que
julga mais adequada.
Enquanto
fui docente universitário e formador na Ordem dos Advogados, sempre chamei a
atenção dos meus alunos para a necessidade de se exprimirem bem e exporem as
suas ideias de forma convincente e clara.
Recordava-lhes
que, muitas vezes, discutimos pontos de vista com outra pessoa, explicamo-nos o
melhor que podemos, mas acabamos por ficar com a sensação amarga de não ter
vencido.
Uma
ou duas horas mais tarde, é que nos lembramos de determinados argumentos que
poderíamos ter utilizado e que teriam derrotado a visão do nosso interlocutor.
A sensação é terrível.
É,
por isso, importante, conhecer algumas técnicas de argumentação, para que as
possamos utilizar em qualquer circunstância.
Um
primeiro método consiste em afirmar que a opinião do nosso adversário é
demasiado radical. Toda a gente a aprecia o bom-senso e reconhece que no meio é
que está a virtude. Se conseguirmos convencer que a posição contrária à nossa
se situa fora desses limites, ganharemos uma batalha.
Deste
modo, depois de o Ministério Público se pronunciar, o advogado de defesa poderá
dizer:
-
O Digno Procurador defende que o arguido deve cumprir dois anos de prisão
efectiva. Parece-me que é uma posição demasiado extremista e fundamentalista.
Em meu entender, o tribunal não deve ser tão radical. Poderá dar uma oportunidade
ao arguido e suspender-lhe a pena. Se ele, depois, voltar a prevaricar,
cumprirá a sua pena.
Uma
outra alternativa é usar os números. A estatística é tida como ciência exacta
e, contra factos, não há argumentos. De um modo geral, tendemos a pensar que a
maioria tem razão. Se formos munidos de dados, avançamos muito. Imagine-se que
o magistrado do Ministério Público, que é, por assim dizer, o advogado de
acusação, afirma:
-
Segundo uma sondagem recente, 72% dos portugueses pensam que é mais grave
cometer um crime de dano do que um furto. É que quem furta, guarda o bem para
si ou vende-o. Agora quem se limita a estragar um objecto de outra pessoa,
fá-lo por pura maldade. Portanto, o arguido deve ser severamente punido.
Demonstrar
que a posição do nosso adversário é insólita e invulgar é um método que resulta
quase sempre. “É a primeira vez, em quinze anos de carreira, que ouço alguém
defender que há legítima defesa quando a agressão já tinha terminado”: são
palavras poderosas.
Há
outro modo de convencer que a opinião contrária não tem valor. Trata-se de
dizer que a conclusão a que o nosso interlocutor chegou parte de um princípio
que não é verdadeiro. A primeira ideia está errada e, portanto, todos os outros
raciocínios que se lhe seguem são falsos. Tudo cai pela base. Ou seja:
partiu-se de um pressuposto errado e chegou-se a uma conclusão incorrecta.
Um
advogado de defesa poderá alegar (embora a questão seja legalmente duvidosa):
-
O Ministério Público sabe bem que só pratica o crime de furto quem subtrai um
bem alheio. Ora o Digno Procurador parte do princípio de que o automóvel
retirado pelo arguido é alheio em relação a ele. E depois conclui que foi
cometido um crime. Mas parte de um pressuposto errado. A viatura foi comprada
quando o arguido e a queixosa eram casados. Portanto, é um bem comum, que
pertence a ambos. Não é, por isso, um bem alheio. O arguido deve, pois, ser
absolvido.